domingo, 5 de fevereiro de 2017

A Trilogia das Cores

A França foi palco de uma das maiores mobilizações da História, que inaugurou a Idade Contemporânea e deixou seu legado tanto na política quanto na cultura do mundo ocidental. Em 1789, a Revolução Francesa hasteou a bandeira nacional sob o lema "liberté, egalité, fraternité". Liberdade, igualdade e fraternidade foram incorporadas como base para a formação de uma nova sociedade e de um novo tempo.

A Liberdade Guiando o Povo, Delacroix
No ano de 1989, em comemoração ao bicentenário da Revolução, o diretor polonês Krzysztof Kieślowski iniciou seu projeto denominado de Trilogia das Cores. Tomando emprestadas as cores da bandeira francesa e as palavras de ordem dos revolucionários, - as primeiras, empregadas na composição do ambiente psicológico e o famigerado lema como ponto de partida para as reflexões propostas - Kieślowski construiu três narrativas indispensáveis para qualquer cinéfilo. Mais que isso, na verdade: a Trilogia é uma obra essencial e inesquecível para quem tem sensibilidade.

Kieślowski, cineasta polonês
Foi nesse mesmo ano de 1989 que o planeta assistiu a queda do Muro de Berlim. Estava-se na iminência de uma mudança radical, que se anunciava com o Outono das Nações - isto é, a queda do comunismo no leste europeu. A Polônia, país de origem do cineasta, foi o palco primeiro de uma série de movimentos que se espalharam também pela Romênia, Hungria, Bulgária, entre outros.
Os anos 1990 trariam consigo a força do neoliberalismo, da globalização e da internet. Um mundo muito distinto daquele que Krzysztof Kieślowski e sua geração conheciam. Nascido na Varsóvia em 1941, o diretor começou sua carreira produzindo documentários focados principalmente na vida dos trabalhadores e soldados. Levou a visão e o aprendizado do período documentarista para os seus primeiros trabalhos com ficção. Depois, mudou os rumos de sua concepção artística, aproximando-se da representação de dilemas existenciais. Um cinema de poucos diálogos e, no entanto, intensa poesia imagética. Sem pedantismos, é claro; a arma de Krzysztof Kieślowski sempre foi seu olhar demasiadamente honesto.

Krzysztof Kieślowski e a atriz Juliette Binoche nas gravações
"Você faz filmes para dar algo ao público, para transportá-lo a outro lugar. Pouco importa se você vai levá-los a um mundo intuitivo ou a um mundo intelectual, pois o campo das superstições, adivinhações, pressentimentos, intuição, sonhos, todos compõem a vida interior de um ser humano, e essa é a condição mais difícil de se filmar. Tenho tentado chegar lá desde o início. Sou aquele que não sabe, aquele que está à procura."  -  Krzysztof Kieślowski


Ordem cronológica da Trilogia das Cores de Kieslowski

A Trilogia das Cores faz parte de sua fase francesa. Num período no qual a ordem que dominava parecia gradualmente desintegrar-se, nada mais adequado que reavaliar as divisas daquele que foi um dos momentos mais profundos da historiografia moderna. Mas o cineasta não objetiva fazer isso através de um ponto de vista coletivo. Ele transporta ao universo subjetivo, individual, os significados e implicações que as palavras liberdade, igualdade e fraternidade podem assumir. Afinal, o que era liberdade, igualdade e fraternidade, as tão célebres e brindadas palavras, à luz de um novo tempo, nos fins do conturbado século XX? Assim, compõe-se uma obra de caráter universal, na medida em que suas personagens experienciam dramas, questionamentos e inquietações inerentes à qualquer vivência humana.
Após o término da Trilogia, Kieślowski anunciou sua aposentadoria. Segundo ele, não havia nada mais a dizer. Pouco menos de dois anos depois o realizador faleceu durante uma cirurgia de coração e foi enterrado no Cemitério Powązki, na Varsóvia. Hoje, quase 21 anos passados desde sua morte, seus filmes, sejam eles da fase francesa ou polonesa, continuam, com seus silêncios, a roubar as palavras de seus espectadores.

TROIS COULEURS: BLEU (A LIBERDADE É AZUL, 1993)


Após um trágico acidente em que morrem seu marido e sua filha, a famosa modelo Julie (Juliette Binoche) decide renunciar sua própria vida. Única sobrevivente da tragédia, a mulher vê-se tendo que lidar com essas perdas e seguir sua vida. Ela se afasta de tudo e todos e assume o anonimato em meio a multidão parisiense. Essa existência fantasmagórica é abandonada quando ela decide se envolver com uma importante obra inacabada de seu marido, um músico de fama internacional, recebendo a encomenda de finalizar uma composição para coro e orquestra que havia sido encomendada ao seu esposo, uma canção pela unificação da Europa. A tarefa a levará a descobrir detalhes da vida do esposo que ela desconhecia, e a se envolver com um outro homem, amigo do casal. O filme foi indicado ao Globo de Ouro e recebeu os prêmios César e o Leão de Ouro no Festival de Veneza.  

TROIS COULEURS: BLANC (A IGUALDADE É BRANCA, 1994)


Neste segundo filme, Krzysztof flerta com o gênero da comédia para apresentar a inusitada história de um casal com diferentes origens. Após se divorciar da mulher que ama, a modelo francesa Dominique (Julie Delpy), o emigrante polonês Karol Karol (Zbigniew Zamachowski) volta a sua terra natal disposto a fazer uma fortuna e poder se vingar-se da ex-esposa. O longa recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim, na categoria melhor diretor.

TROIS COULEURS: ROUGE (A FRATERNIDADE É VERMELHA, 1994)

 
Valentine é uma modelo (Irène Jacob) que, certa noite, atropela um cão. Seguindo o endereço informado em sua coleira, a jovem chega até o dono do animal, um juiz aposentado (Jean-Louis Trintignant), que tem o estranho hábito de ouvir as conversas telefônicas de seus vizinhos. Por trás deste estranho comportamento, está o enigma de um homem cujo motivo vital é tomar posse da intimidade daquelas pessoas e acompanhar passo a passo o desenrolar de seus destinos. Este fato será o ponto de partida para o desenvolvimento de uma singular amizade. A película venceu o Prêmio César, além de ter sido indicada ao Óscar e a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
 


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